Ao ler a Carta à igreja em Esmirna no livro do Apocalipse, fui estimulado a pensar sobre a essência de uma fé genuína. O texto fala sobre tribulação, pobreza, sofrimento, prisão e morte, palavras (situações) que ao longo da história sempre acompanharam os cristãos, e que assustadoramente em nossos dias, estas palavras (situações), se tornaram sinônimo de fracasso espiritual dentro dessa teologia triunfalista, que proclama aos quatro ventos, que o crente autêntico é aquele que só vive em vitória, riqueza e possui uma saúde inabalável. Alguma coisa está errada, pois quando leio as páginas da Bíblia vejo um cristianismo, mas quando ligo a televisão ou o rádio percebo um outro evangelho sendo propagado. E é justamente esta dicotomia que me causa arrepios, e que verdadeiramente me assusta. Logo, é por esta inquietação que me atrevo a escrever estas linhas, buscando de alguma forma contribuir junto a igreja, para uma fé equilibrada.
Particularmente, saltou-me aos olhos alguns verbos neste texto.
1º) “Conheço” (verso 9). Jesus diz a João que Ele conhece as tribulações e a pobreza daqueles irmãos, ou seja, está ciente de toda a situação em Esmirna, porém o Senhor em momento algum declara que as tribulações e a pobreza são resultados da falta de fé dos irmãos, e nem que eles estariam em pecado.
2º) No verso 10 Jesus diz “tens de sofrer” e “tereis tribulação”, como um processo natural, inevitável e talvez até inerente a condição cristã, haja vista, que tendo o cristão valores diferentes do mundo, necessariamente é o sofrimento que nos aguarda, pois não negociaremos princípios eternos. Mas nós não estaremos sozinhos nesta caminhada, o texto nos garante que o Senhor Jesus estará conosco, através de um singelo “Não temas”.
O quadro pintado é de dor, sofrimento, pobreza e o nosso Deus se limita a dizer “não temas”, talvez seja isso que algumas pessoas não entendam. Como pode um Deus tão poderoso não intervir? Como pode um Deus tão poderoso não esmagar os nossos inimigos, e não nos livrar? E ao invés disso, parece nos dizer nas entrelinhas do texto que é saudável passarmos por estes momentos. (Exemplo: At 12 – Tiago e Pedro)
A morte é o último tema abordado, pois no final do verso 10 está escrito “Sê fiel até à morte”. Já pensaram o que isto significa em um ambiente de perseguição? Talvez não seja esperar a vida passar e quando chegar à morte, olhar para trás e ver como fui fiel durante a minha vida, mas pode significar demonstrar fidelidade através da nossa morte, ou seja, entregando a nossa vida. No verso 11 existe um consolo e uma promessa, que “o vencedor de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte”, ou seja, aqueles que estão em Cristo Jesus só conhecerão a primeira morte. E em relação a esta o texto não nos dá garantias de que não sofreremos danos. João Batista na sua morte foi decapitado (Mt 14.6-12), Estevão foi apedrejado (At 7.54-60), Tiago, o apóstolo, foi morto através da espada de Herodes (At 12.1-2), e o grande apóstolo Paulo encontrava-se encarcerado, sozinho, e também foi decapitado (2Tm 4.6-18). Repetindo as palavras do autor da Epístola aos Hebreus, “homens dos quais o mundo não era digno” (Hb 11.38), quem ousaria dizer que o sofrimento destes homens tem origem na falta de fé ou porque eles deram “brecha” ao diabo. Quem ousaria? De jeito nenhum! Acredito piamente que é neste contexto de dor e sofrimento que homens e mulheres de Deus podem se examinar e perceber se amam a Deus ou as bênçãos de Deus.
Termino afirmando categoricamente que creio num Deus que nos livra, porém não posso fazer eco com alguns pregadores e ministros de louvor que propagam inadequadamente sermões e músicas, que pouco tem haver com a mensagem do evangelho, e que disseminam uma fé desequilibrada, que gera mais misticismo e decepção, do que fé e esperança. Quando falo de fé equilibrada é impossível não lembrar de Hananias, Misael e Azarias, que ficaram mais conhecidos por seus nomes babilônicos de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (Dn 3), que confrontados pelo rei Nabucodonosor, que havia feito uma imagem de ouro de quase 30 metros de altura, onde todos deveriam adorá-la se prostrando toda vez que se ouvisse o som dos instrumentos, sob pena de serem lançados na fornalha de fogo ardente, eles não obedeceram em fidelidade a Deus, e declararam sábia e ousadamente: “Ó Nabucodonosor (…) Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste.” Confesso, que esta é a fé que tenho buscado, uma fé equilibrada, não aquela que declara triunfantemente que Deus “VAI FAZER”, mas aquela que afirma com divina ternura que Deus é poderoso e “PODE FAZER”. E se não fizer, Ele continuará sendo meu Deus poderoso, que conhece as minhas tribulações e pobreza, e que quando oro em meio às lágrimas, sussurra para mim: NÃO TEMAS. (Mt 28.20b)
Bruno Rufino